Indomável e inteligente, Nzinga Mbandi Ngola foi soberana (1624-1663) do povo Ginga
de Matamba e Angola, nascida em Cabassa, interior de Matamba, que altaneira
e silenciosa conseguiu juntar vários povos na sua luta contra os
invasores portugueses e resistiu até ao fim sem nunca ter sido capturada,
tornando-se conhecida pela sua coragem e astúcia. Do grupo étnico
Mbundu, era filha do rei dos mbundus no território Ndongo, hoje em
Angola, e Matamba, Ngola Kiluanji, foi contemporânea de Zumbi
dos Palmares (1655-1695), o grande herói afro-brasileiro. Ambos pareceram compartilhar de um tempo e de um espaço comum de
resistência: o quilombo. Enviada a Luanda pelo seu meio irmão
e rei Ngola Mbandi, para negociar com os portugueses, foi recebida
pelo governador geral e pediu a devolução de territórios
em troca da sua conversão política ao cristianismo, recebendo
o nome de D. Anna de Sousa.
Estratégia política ou conversão? o batismo de Nzinga gera controvérsias até hoje
Depois os portugueses não
respeitaram o tratado de paz, e criaram uma situação de desordem
no reino de Ngola. A enérgica guerreira, diante da gravidade da
situação e da hesitação de seu irmão
manda envenená-lo, tomando o poder e o comando da resistência
à ocupação das terras de Ngola e Matamba. Não
conseguindo a paz com os portugueses em troca de seu reconhecimento como
rainha de Matamba, renegou a fé católica, aliou-se aos guerreiros
jagas de Oeste e fundou o modelo de resistência e de guerra que constituía
o quilombo. Com sua política ardilosa, conseguiu formar uma
poderosa coligação com os estados da Matamba, Ndongo, Congo,
Kassanje, Dembos e Kissama, e comandou a resistência à ocupação
colonial e ao tráfico de escravos no seu reino por cerca de quarenta
anos, usando táticas de guerrilhas e de ataques aos fortes coloniais
portugueses, incluindo pagamentos com escravos e trocas de reféns.
Após a assinatura de um tratado (1656) com o governador geral,
que incluiu a libertação de sua irmã Cambu,
então convertida como Dona Bárbara e retida
em Luanda por cerca de dez anos pelos portugueses, e sua renúncia
aos territórios de Ngola, uma paz relativa voltou ao reino de Matamba
até a sua morte, aos 82 anos, sendo sucedida por Cambu, continuadora
da memória de sua irmã, mas já estava em curso o declínio
da Coligação. Dois anos mais tarde, o Rei do Congo empenhou
todas as suas forças para retomar a Ilha de Luanda, ocupada por Correia
de Sá, saindo derrotado e perdendo a independência, e
no início da década seguinte o Reino do Ndongo foi submetido
à Coroa Portuguesa (1771). A rainha quilombola de Matamba e Angola
tornou-se mítica e foi uma das mulheres e heroínas africanas
cuja memória desafiou tempo, dando origem a um imaginário
cultural que invadiu o folclore brasileiro com o nome de Ginga,
despertou o interesse dos iluministas como no romance Zingha, reine
d’Angleterre. Histoire africaine (1769), do escritor francês
de Toulouse, Jean-Louis Castilhon, inspirado nos seus feitos, e
foi citada no livro L'Histoire de l'Afrique, da publicação
Histoire Universelle (1765-1766).
estátua de Nzinga em Luanda
Ainda hoje é reverenciada como exemplo
de heroína angolana pelos modernos movimentos nacionalistas de Angola.
Sua vida tem despertado um crescente interesse dos historiadores, antropólogos
e outros estudiosos do período do tráfico de escravos. Sua
resistência à ocupação dos portugueses do território
angolano e o conseqüente tráfico de escravos, tem sido motivo
de intensos estudos para a compreensão de seu momento histórico,
caracterizado por sua habilidade política e espírito de liderança
desta rainha africana na defesa de sua nação. Também
é conhecida como Jinga, Zhinga, Rainha Dona Ana
e Rainha Zinga.