Frei Guilherme de Baskerville, franciscano, discípulo de Roger Bacon (Filósofo Inglês, conhecido por Doctor Mirabilis (1220-1292), lecionou em Paris sobre Aristóteles, voltando a Oxford por volta de 1247, onde se dedicou a estudos linguísticos e científicos. Como filósofo, seguiu sobretudo Aristóteles, usando Avicene como intérprete. É acima de tudo notável pela insistência sobre a importância da matemática e a ciência experimental) e amigo de Guilherme de Occam, acompanhado do jovem noviço da ordem de São Bento, Adso de Melk, chega, no ano de 1327, a uma abadia beneditina dos Alpes marítimos italianos, na qualidade de mensageiro da embaixada que o Imperador Luís da Baviera se preparava para enviar com o intuito de conferenciarem, naquele mesmo local, com os representantes do Papa João XXII (Papa entre 1316 e 1334), que se encontrava instalado não em Roma, mas sim em Avinhão.
O autor remete-nos para o confronto entre o Papa João XXII e o Imperador Luís II da Baviera, como paradigma da luta entre Igreja e Estado pelo controlo da sociedade daquela época. Os protagonistas afectas ao Papado e ao Império utilizavam as riquezas, as disputas teológicas, e até os pequenos acontecimentos do dia-a-dia para se confrontarem visando a superintendência e o controlo do poder na sociedade medieval. Nesse combate, utilizava-se igualmente a táctica da infiltração no campo do adversário. Daí este confronto político conduzir a outro, mais profundo, que seria o do controlo do poder dentro da própria Igreja.
E é neste ponto que se concentram as questões mais complexas abordadas pelo O Nome da Rosa. No tempo em que decorre o romance - início do século XIV - registavam-se grandes controvérsias filosóficas.
A questão dos universais (Adeptos da doutrina que considera a realidade como um todo único, onde os indivíduos não podem ser isolados a não ser por abstração), agitava as universidades. Tanto os realistas platónicos, nominalistas (uma das doutrinas fundamentais da filosofa antiga, negando a existência aos universais;pode então definir-se o nominalismo como a teoria filosófica de que só têm existência real os seres individuais, e que os chamados universais não passam de nomes que nós damos em comum a objectos realmente diferentes e incomunicáveis.) seguidores de Guilherme Ockham, e realistas moderados, como os aristotélicos, esgrimiam-se nas cátedras das universidades. O triunfo de uma dessas correntes provocava forçosamente transformações profundas na Igreja, no Estado, na Sociedade, na Cultura e na Ciência. Era o futuro da civilização e da humanidade que estava em jogo.
Nessa época, a luta entre estes dois poderes era alimentado por duas concepções opostas da sociedade. De um lado tínhamos a posição do catolicismo, consubstanciada na bula Unam Sanctam de Bonifácio VIII. De outro, a concepção imperial, laica e estadista, representada pelas teorias de Marsílio de Pádua. Os partidos dos Guelfos e dos Gibelinos eram os que, de certa forma, sustentavam esta divisão contribuindo de forma determinante para as desavenças políticas das cidades italianas da época medieval. De acordo com a referida bula, Cristo deu a Pedro duas espadas: a espiritual e a temporal. A primeira para ser usada por Pedro, isto é, pela Igreja, enquanto a segunda devia ser utilizada pelo Estado, para bem da própria Igreja. O poder do Estado é ordenado e subordinado ao poder eclesiástico, uma vez que as actividades naturais do homem são subordinadas a um único fim, que é Deus e à salvação eterna. Da mesma forma que no homem, a alma deve estar unida ao corpo e é superior a ele, pois é ela que o conduz, também, na sociedade, a Igreja e o Estado deviam estar unidos, mas de maneira a que a Igreja estivesse sempre em situação de superioridade. Do mesmo modo que a supremacia da alma sobre o corpo não significa que ela tenha de exercer funções próprias do corpo, também, na sociedade, embora a Igreja desempenhe o papel de liderança, isto não lhe dá o direito de exercer funções temporais próprias do Estado, pois, apesar da alma dar vida ao corpo, não cabe a ela digerir nem respirar, logo, embora a Igreja dê vida à sociedade e ao Estado, não lhe compete organizar a vida material nem a administração dos assuntos terrenos e temporais.
Em consonância com estes princípios, Bonifácio VIII, através da dita bula, definia que todo o gênero humano devia ser submisso ao Romano Pontífice, condição essencial para a salvação de qualquer simples mortal. Com esta postura, todos, incluindo os soberanos, estavam subordinados ao Papa e à disciplina religiosa.
Do outro lado da barricada estavam as teses defendidas por Marsílio de Pádua. Ele apoiava a luta de Luís da Baviera e a dos Espirituais franciscanos contra o Papa João XXII. As principais teses de Marsílio de Pádua, que ainda hoje se mantêm bastante atuais, podem-se resumir da seguinte forma :
- Supremacia do Estado sobre a Igreja. Ao Estado caberia até mesmo a jurisdição espiritual, podendo condenar hereges e infiéis.
- Ao Papa competia pagar tributo ao Imperador.
- A Igreja deveria ser pobre e sem propriedades (Esta tese era acarinhada pelos Gibelinos e Fraticelli) e todos os seus bens deviam reverter a favor do Estado.
- Todo o poder, seja ele civil ou eclesiástico provém do povo.
- Cristo não deu maior poder a Pedro do que aos outros Apóstolos. Ele não fez de Pedro o seu Vigário, nem o chefe da Igreja, ideia que Lutero e toda a Reforma vão repetir com grande ódio.
- Na Igreja não deve haver hierarquias. O Papa, Bispos, Padres têm todos o mesmo poder, porque Cristo não deu mais poder a uns do que a outros. Todo poder na Igreja é concessão do Imperador, que pode depor e julgar qualquer autoridade eclesiástica, inclusive o Papa.
Pelo que atrás foi escrito, dificilmente haveria maior oposição entre as duas doutrinas. A primeira pretendia colocar Deus e o Céu como objectivo principal; a outra colocava como objectivo final, o homem e o seu reino na terra. Uma queria uma Igreja monárquica, hierárquica e de poder divino; outra queria uma igreja democrática, igualitária, pobre e popular. Uma preconizava a união entre Igreja e Estado; outra defendia a separação entre o poder eclesiástico e o civil e até a subordinação da Igreja ao Estado.
Nesta obra, Frei Guilherme de Baskerville é o porta-voz diplomático das teses de Marsílio de Pádua, na conferência dos embaixadores das cortes imperial e papal. À semelhança de Marsílio, ele defende uma nítida separação entre a Igreja e o Estado: "...a legislação sobre as coisas desta terra e, portanto, sobre as coisas das cidades e dos reinos, nada tem a ver com a guarda e a administração da palavra divina, privilégio inalienável da hierarquia eclesiástica"17. "O domínio temporal e a jurisdição secular nada têm a ver com a Igreja e com a lei de Jesus Cristo, e foram ordenados por Deus fora de qualquer confirmação eclesiástica e até mesmo que surgisse a nossa santa religião."18. Por isso, o Papa não deveria possuir nenhum poder coercivo. "Ele (Cristo) não quis que os apóstolos tivessem mando e domínio, e por isso parecia coisa sábia que os sucessores dos apóstolos devessem ser aliviados de qualquer poder mundano e coativo". Não podendo contestar o texto do Evangelho, no qual Cristo instituiu Pedro como pedra fundamental da Igreja, e, por isso, lhe dá o poder das chaves, Frei Guilherme explica que Cristo "brincava com as palavras" ao dizer "Tu es Petrus".
Guilherme faz a sua investigação apoiado na tese gibelina. Este facto é notório, quando afirma que "a Igreja de Avinhão fazia injuria à humanidade inteira afirmando que lhe competia aprovar ou suspender aquele que tinha sido eleito imperador dos romanos. O papa não tem sobre o império maiores direitos que sobre os outros reinos".
Pelo contrário, o Imperador é que deveria ter poder não só sobre o Papa, como também sobre todos os clérigos: "Se o Pontífice, os bispos e os padres não estivessem submetidos ao poder mundano e coactivo do príncipe, a autoridade do príncipe ver-se-ia invalidada, e invalidar-se-ia com isto uma ordem que, como se tinha demonstrado antes, fora disposta por Deus".
Até mesmo o poder de julgar assuntos religiosos acabava por ser negado por Frei Guilherme "A Igreja pode e deve avisar o herege que ele está saindo da comunidade dos fiéis, mas não pode julgá-lo na terra e obrigá-lo contra a sua vontade".
Se a Igreja não pode julgar o homem por motivos religiosos, muito menos é permitida tal missão ao Estado, pois o Príncipe não é guardião da verdade divina. No máximo, poderá condenar o herege, caso "prejudique a convivência de todos".
Frei Guilherme defende então, a tese segundo a qual o poder vem do povo e atribui essa ideia liberal ao próprio Jesus Cristo, pois "era de suspeitar que ao próprio Senhor não era estranha a ideia de que nas coisas terrenas o povo seja legislador e primeira causa e efetiva da lei". E, "pelo povo... bem entender a universalidade dos cidadãos ou (...) a parte melhor dos cidadãos". "A maneira como o povo poderia exprimir a sua vontade podia coincidir com uma assembleia geral eletiva. Disse que lhe parecia sensato que uma tal assembleia pudesse interpretar, mudar ou suspender a lei". O que retirava da lei toda a essência natural, sujeitando-a ao relativismo da opinião da maioria. Era já o Direito positivista a triunfar sobre o Direito natural...
Não há dúvida que as teses de Frei Guilherme mantêm-se, também elas, extremamente atuais. Na luta entre o Estado e a Igreja intervinham também os hereges gnósticos(gnosticismo é um sistema de filosofia religiosa, cujos sectários pretendiam ter o conhecimento completo da natureza e dos atributos de Deus.). Eles rejeitavam a matéria e, portanto repudiavam a Igreja estruturada, hierárquica e rica, logo, condenavam de forma incondicional o mundo criado pelo demiurgo(nome que os filósofos platônicos davam a deus criador e "ordenador" do mundo, diferente de Deus.), recusando-se eles a aceitar uma Igreja como aquela que era concebida e definida por Bonifácio VIII, que tinha como principal objectivo, submeter o mundo, o Estado e a sociedade à vontade de Deus. Os místicos gnósticos defendiam então que a Igreja verdadeira deveria ser puramente espiritual. Estes pontos ligam-nos mais uma vez, às teses gibelinas e laicas de Marsílio de Pádua.
O diálogo entre fé e razão era central na Idade Média. Assim, uma vez que a razão foi dada por Deus ao homem, e Aristóteles era tão exímio no uso dela, será que a vontade de Deus não estaria sendo também descoberta por Aristóteles? E por que a questão do riso? Na regra beneditina, o riso estava associado com orgia. Para Jorge, o riso aniquilava o medo e "sem medo não pode haver fé. Sem o medo do Diabo, não há necessidade de Deus. “
A biblioteca de O Nome da Rosa é símbolo de uma Igreja conservadora, mestra desconfiada e receosa que obstrui o conhecimento de determinadas doutrinas, e que pretende impedir qualquer progresso intelectual e material, com o objetivo de manter o seu domínio sobre o mundo.
Prezam pela “conservação do conhecimento não a busca”. Por isso, a biblioteca era tida como reservatório do saber, consequentemente do poder. Eles proibiam a leitura dos livros, primeiro porque nem todas as verdades são para todos os ouvidos, segundo porque os que os lessem poderiam ter uma nova interpretação da verdade e de Deus, por isso, só os que fossem selecionados poderiam entrar e ter acesso. Terceiro, o valor e a fragilidade desses documentos desaconselham que eles sejam manuseados por qualquer um. Por essas três razões, na biblioteca da Abadia só podiam entrar o abade, o bibliotecário e seu auxiliar.
Os acontecimentos narrados no filme pretendem ser uma parábola da História do mundo. O poder na Abadia tinha sede na igreja, mas ele se exercia através do controle do saber, isto é, do controle da biblioteca. Assim também a Igreja Católica dominaria o mundo medieval por meio do controle do saber e do estudo.
Link para download do filme: o nome da rosa
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