Um elemento essencial da vida medieval foi a pregação.
Nessa época, pregar não era monologar em termos escolhidos perante um auditório silencioso e convencido. Pregava-se um pouco por todo lado, não apenas nas igrejas, mas também nos mercados, nos campos de feira, no cruzamento das estradas; e de modo muito vivo, cheio de calor e de ímpeto. O pregador dirigia-se ao auditório, respondia às suas perguntas, admitia mesmo as suas contradições, os seus rumores, as suas invectivas. Um sermão agia sobre a multidão, podia desencadear imediatamente uma cruzada, propagar uma heresia, preparar revoltas.
O papel didático dos clérigos era então imenso. Eram eles que ensinavam aos fiéis a sua história e as suas lendas, a sua ciência e a sua fé; que comunicavam os grandes acontecimentos, transmitia de uma ponta à outra da Europa a notícia da tomada de Jerusalém, ou a da perda de Saint-Jean d’Acre; que aconselhavam uns e guiavam outros, mesmo nos seus negócios profanos. Nos nossos dias são prejudicados nos seus estudos e na vida aqueles que não têm memória visual, a qual no entanto é mais rara, de exercício mais automático e menos racional que a memória auditiva. Na Idade Média a pessoa instruía-se escutando, e a palavra era de ouro. Se a expressão “cultura latente” teve sentido alguma vez, foi na Idade Média. Toda a gente tem então um conhecimento pelo menos corrente do latim falado e articula o cantochão, que supõe senão a ciência, pelo menos o uso da acentuação. Toda a gente possui uma cultura mitológica e lendária.
Acontece que as fábulas e os contos dizem mais sobre a história da humanidade e sobre a sua natureza do que uma boa parte das ciências inscritas nos nossos dias nos programas oficiais. Nos romances de mester publicados por Thomas Deloney, vemos os tecelões citar nas suas canções Ulisses e Penélope, Ariana e Teseu. Os vitrais têm sido chamados “a Bíblia dos iletrados”, porque neles os mais ignorantes decifravam sem esforço histórias que lhes eram familiares.
Realizavam assim, com toda a simplicidade, esse trabalho de interpretação que tanta canseira dá aos arqueólogos na época atual.
(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)
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