05/10/2013

Material Especial - Suporte Redação Enem - "Conflito na Síria"



O material apresentado aqui, servirá de suporte aos alunos para redação em que o tema for a crise da Síria, a chamada "Primavera Árabe" ou as questões diplomáticas do mundo moderno.
Em primeiro lugar, o conflito na Síria continua causando sofrimento humano e destruição imensuráveis. Dados compilados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) indicam que 100 mil pessoas foram mortas desde março de 2011, quando começou o levante contra o presidente Bashar al-Assad.
A estimativa é que 6,8 milhões de pessoas necessitem de assistência humanitária urgente – incluindo 3,1 milhões de crianças. Desse total, 4,25 milhões são deslocados internos. Até 9 de setembro, já havia mais de 2 milhões de refugiados sírios nos países vizinhos e Norte da África.
Cerca de 1,2 milhão de famílias tiveram suas casas atingidas de acordo com a Comissão Econômica e Social para a Ásia Ocidental (ESCWA). Cerca de 400 mil delas foram completamente destruídas, 300 mil parcialmente destruídas e 500 mil sofreram danos de infraestrutura.
O denso deslocamento populacional e a higiene precária aumentam o risco de piolhos, sarna, leishmaniose, hepatite A e outras doenças infecciosas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) está monitorando a situação e oferecendo tratamento em diversas áreas do país. A estimativa é de 2,5 mil casos de febre tifoide em Deir Ez-Zor e 14 mil de leishmaniose em Hassekeh.
Cerca de 57% dos hospitais públicos foram danificados ou destruídos e 37% estão fechados, segundo a OMS. Muitos profissionais de saúde estão fugindo do país e os que permanecem têm muita dificuldade para chegar aos postos de trabalho por causa da insegurança.
Muitos hospitais estão sem remédios essenciais como insulina e antibióticos. Também acabaram os estoques do Ministério da Saúde para tratamentos de queimados e feridos em unidades de terapia intensiva. O hospital de Aleppo, por exemplo, reportou no meio de abril ter atendido 3,5 mil pacientes com ferimentos de guerra sem que houvesse banco de sangue e, muitas vezes, realizou operações sem anestesia ou fios de sutura.




Entendendo a História


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História Recente






HAFEZ AL-ASSAD
Hafez al-Assad, pai do presidente sírio Bashar al-Assad, é a figura mais importante da curta história da Síria como nação independente. Praticamente todos os aspectos da vida moderna do país foram moldados por Hafez. Ele governou o país com mãos de ferro de 1971 até sua morte, em 2000.
Hafez veio de uma longa linhagem de homens poderosos. Seu avô Sulayman era respeitado pelas pessoas do povoado onde vivia por sua força, coragem e boa pontaria. Foi apelidado de al-Wahhish  (o selvagem), o que aparentemente era tão pertinente que ele adotou a alcunha como sobrenome. Seu filho Ali Sulayman herdou muito da ferocidade do pai, e consolidou a reputação da família entre as tribos alauítas das montanhas. Em 1927, por recomendação dos anciãos do povoado, seu último nome foi mudado para o mais distinto al-Assad, que significa “o leão”.
Segundo a biografia magistral de Patrick Seale, Asad: The struggle for the Middle East (Assad: A luta pelo Oriente Médio, em tradução livre), Hafez nasceu em Qardaha, quando o povoado do noroeste sírio “consistia em cerca de uma centena de casas de barro ou pedra no fim de uma estrada de terra”. Poucas pessoas da região sabiam ler, mas Hafez teve sorte e conseguiu uma vaga na escola primária colonial francesa próxima dali. Aos 16 anos, entrou para o secular Partido Baath Pan-Arabista e rapidamente se transformou em uma espécie de patrimônio inestimável ao distribuir literatura baathista, promover reuniões secretas em sua casa e combater a polícia e grupos rivais.
Em 1963, Hafez teve papel importante em um golpe que alçou os baathistas ao poder. Três anos depois, ajudou a arquitetar uma tomada ainda mais sangrenta que resultou na sua nomeação para o ministério da defesa. Quatro anos mais tarde, organizou mais um golpe, escalando para seu mais alto posto, a presidência — cargo que manteve pelo resto da vida. 
Líder astuto e inflexível, Hafez conseguiu evitar o destino dos soberanos sírios anteriores ao enfraquecer a concorrência e brutalizar a oposição. Ele centralizou o sistema político do país, mudou a constituição e formou aliança com a União Soviética. Explorando uma propaganda que o apresentava como homem do povo, promoveu a modernização da infraestrutura da Síria, ao mesmo tempo em que reprimiu todo tipo de dissidência. No processo, expandiu o alcance das forças de segurança do país e criou um culto de personalidade ao estilo soviético, encomendando milhares de estátuas, retratos e cartazes que eram espalhados por todo o país. Em 1982, ordenou o massacre de milhares de sunitas na quarta maior cidade síria, Hama, e, um ano depois, reprimiu uma tentativa de golpe iniciada por seu irmão mais novo, Rifaat.
Em um mundo justo, Hafez teria sido punido muito antes de sua morte pelas décadas de controle com mãos de ferro. No entanto, o líder sírio faleceu relativamente em paz, em 2000, de ataque cardíaco. 

BASHAR AL-ASSAD 
Bashar al-Assad nasceu em Damasco em 1965, cinco anos antes de seu pai completar a escalada até o topo do Partido Baathista. Bashar é o terceiro de cinco filhos e teve uma infância “normal” que incluía partidas de futebol e jogos de pingue-pongue com o pai. Não havia muitas expectativas em torno de Bashar, todos achavam que seu irmão mais velho, Bassel, herdaria a presidência quando chegasse a hora. Bassel (carismático, seguro e bom nos esportes) era a escolha natural para um sucessor — Bashar era tímido e não se interessava por política. Ele terminou a escola em 1982, tornou-se médico do exército e depois foi para Londres estudar oftalmologia no Hospital Ocidental do Olho.
Em 1994, a vida de Bashar mudou de rumo quando Bassel morreu em um acidente de carro. Logo depois do funeral, Bashar foi considerado herdeiro aparente e sua preparação para a presidência foi iniciada. Ele entrou para a academia militar e começou a trabalhar no lugar do irmão falecido.  
Hafez morreu em 10 de junho de 2000 e Bashar assumiu a presidência aos 34 anos de idade — o parlamento teve que reduzir a idade mínima para que ele pudesse “concorrer” ao cargo. Foi realizada uma eleição de fachada, seguida de outra em 2007 que o “reelegeu”.
Se a história do filho mais novo que inesperadamente assume o império parece familiar, é porque essa é a trama de O Poderoso Chefão. Só que Bashar é mais parecido com o Fredo do que com o Michael. Pessoas de dentro do regime relataram ao Financial Times que Bashar é inseguro e propenso a mudanças de humor. Seu tio Rifaat, que fugiu do país depois de tentar tomar o poder em 1983, disse à CNN que Bashar “faz o que o regime decide em seu nome”. Bashar pode ter sido um médico decente, mas, como ditador, foi cruel e indeciso — uma combinação mortífera. “Você discute uma questão com ele de manhã e chega outra pessoa e faz ele mudar de ideia”, disse o ex-vice-presidente sírio Abdul Halim Khaddam.
Indepentente dos fatos que o trouxeram até aqui, Bashar está se encurralando com as mãos cheias de sangue. Alguns dizem que ele se recusa a deixar o poder por temer que seu clã alauite seja massacrado pelos rebeldes.
Olhando para trás, ninguém diria que o nome daquele nerd, que fez o juramento de Hipócrates, seria mencionado na mesma frase ao lado de nomes como Muammar Gaddafi, Saddam Hussein e Kim Jong-Il. De tempos em tempos, ele provavelmente deve se perguntar: “Caralho… o que é que eu tô fazendo? Eu só queria ser oftalmologista e comer umas minas inglesas”. 
 
 LIBERDADES CIVIS E A LEI DE EXCEÇÃO
A Síria nunca foi exatamente um bastião de liberdade e direitos humanos. No período colonial, o governo francês executava aldeões rotineiramente sem julgamento justo e ostentava cadáveres de “bandidos” na praça central de Damasco. Depois da Segunda Guerra Mundial, Adib Shishakli, militar que comandou o país, dissolveu todos os partidos políticos de oposição, baniu jornais e perseguiu minorias étnicas. Em 1963, o Partido Baathista tomou o poder e declarou um estado de exceção que deu amplos poderes às forças de segurança do país. A “lei de exceção” foi finalmente revogada em abril de 2011, ironicamente, assim que a verdadeira crise começou.
Segundo a lei de exceção da Síria, qualquer cidadão poderia ser detido, julgado e condenado sem mesmo ter acesso a um advogado. Tudo isso continua acontecendo. O país realiza eleições, mas somente por formalidade.
A liberdade de reunião está prevista na constituição, mas o Ministério do Interior precisa aprovar qualquer reunião com mais de cinco pessoas. Antes da revolução, protestos contra Israel eram facilmente autorizados, mas manifestações pró-islamismo, pró-curdos e antigovernistas eram rapidamente dissolvidas. Em 2011, quando as manifestações aumentaram, o regime deu sinal verde para as forças de segurança dispersarem protestos atirando na população civil e deixando os feridos morrerem na rua. 
A PRIMAVERA DE DAMASCO
Em 2000, quando Bashar assumiu, os sírios tiveram a esperança de que o novo presidente que estudou no Ocidente poderia começar a desmantelar o estado de segurança. Cidadãos orgulhosos se reuniram em suas residências para discutir reformas em um movimento que foi chamado de Primavera de Damasco. Intelectuais assinaram a “Declaração dos 99”, manifesto que exigia o fim da lei marcial e a libertação de presos políticos. Bashar alimentou essa esperança quando fechou a Prisão de Mezzeh, que há muito era criticada pelo tratamento cruel que dava aos prisioneiros. Mas essa expectativa não durou muito tempo.
Em agosto de 2001, o novo presidente reprimiu aspirantes a reformistas, prendendo membros importantes dos grupos de discussão que estavam sendo tolerados até então, sob acusação de “tentativa de mudar a constituição por meios ilegais” e “incitação à discórdia racial e sectária”.
A esperança no Ocidente, obviamente, é de que, assim que Assad for derrubado, os rebeldes instituirão uma sociedade livre e democrática e todos viverão felizes para sempre. No entanto, a presença de jihadistas no Exército Livre da Síria indica que o país pode acabar substituindo o autoritarismo secular por uma opressão teocrática se o extremismo religioso não for controlado. 
RÚSSIA 
A Rússia é o aliado mais antigo e poderoso da Síria e seu governo é um dos únicos amigos que restam a Assad fora de seu domínio. O país bloqueou todas as resoluções da ONU que condenavam o regime e vetou (ao lado da China) qualquer tentativa de aplicar sanções a um governo que mata sua própria população civil. 
Enquanto isso, os russos continuam a vender armas para Assad. Uma das maiores transações aconteceu em janeiro passado, quando o Kremlin assinou um contrato para enviar 36 caças para a Síria ao custo de 550 milhões de dólares. As aeronaves só serão entregues daqui a alguns anos e, ao fazer essa venda, a Rússia supõe que o atual governo, ou uma versão não muito diferente dele, fique no poder por mais um bom tempo.
A amizade entre Damasco e Moscou vem desde a Guerra Fria. Nos anos 1950, o líder soviético Nikita Khrushchev enviou mais de 200 milhões de dólares em ajuda para a Síria dentro de um jogo de xadrez neocolonial que estava sendo disputado entre as nações árabes. A aliança entre URSS e Síria seguiu firme depois do bem-sucedido golpe lançado por Hafez em 1970. Os soviéticos enviaram carregamentos de armas para contrapor a influência israelense, e o amor da Síria por armas, aviões e mísseis russos não se abateu. A Rússia vendeu 1 bilhão de dólares em armas para a Síria em 2011 e, a essa altura, o céu é o limite.
Geopoliticamente mais importante que o comércio de armas é a base naval russa em Tartus. Hafez deu permissão para os soviéticos estabelecerem essas instalações em 1971 e, desde então, essa é uma operação portuária vital. Também é o único porto militar ativo da Rússia fora da antiga URSS. Pelas lentes da realpolitik de Vladimir Putin e cia., faz muito sentido manter Bashar no poder. Ele é um grande consumidor de munições e, além disso, oferece a eles um lugar para reabastecer seus submarinos nucleares. 
 
LÍBANO 
A longa e intrincada história da Síria com o Líbano vem desde o período da independência libanesa em 1920, quando potências europeias ainda dominavam grande parte do Oriente Médio. A presença de tropas sírias no país foi constante entre 1976 e a “Revolução dos Cedros”, em 2005, que expulsou as forças de segurança sírias do Líbano. No entanto, agências de inteligência sírias ainda são bastante influentes no país e foram responsabilizadas por uma série de assassinatos de oficiais libaneses durante a última década.
Os laços culturais, econômicos e políticos entre os dois países estão começando a se desgastar por causa dos conflitos recentes. O governo do Líbano se divide de modo geral em dois blocos: a majoritária Aliança 8 de Março, favorável ao regime, e a oposicionista Aliança 14 de Março, pró-rebeldes. O grupo militante xiita Hezbollah domina a 8 de Março e é, de longe, o elemento político mais forte do país. O regime de Assad é um dos maiores parceiros do Hezbollah, principalmente no que se refere a dinheiro, armas e proteção política. Esse relacionamento tem piorado a reputação do Hezbollah no mundo árabe, já que o grupo tem sido acusado de enviar soldados para apoiar a ira sociopata de Assad.  
Alguns políticos libaneses favoráveis ao regime defendem a criação de uma “Grande Síria” pan-arábica, o que também incluiria o Líbano. O governo sírio e seus muitos apoiadores ainda consideram o Líbano uma província, e não um vizinho soberano. Por outro lado, muitos libaneses se arrepiam só de pensar em uma união com a Síria, já que grande parte deles considera o povo sírio uma ralé.
A ideia disseminada de que o conflito possa transbordar e atingir o Líbano tem origem no relacionamento próximo entre as duas nações e seus povos. Atualmente, a guerra civil síria ocorre por vezes na cidade libanesa de Trípoli, no norte do país, onde atiradores sunitas locais que apoiam os rebeldes na Síria supostamente confrontam alauítas libaneses. Recentemente, Beirute se tornou palco de conflitos e bombardeios fatais entre forças pró e antirregime — uma perspectiva assustadora para um país que ainda não curou as feridas de sua própria guerra civil, que acabou há apenas alguns anos.
Durante os confrontos de Trípoli, um comandante libanês pró-rebeldes chamado Abu Ibrahim nos disse: “Toda a minha vida adulta foi permeada por isso”, se referindo ao combate às milícias apoiadas pela Síria que atuam no Líbano. Ele mostrou cicatrizes e disse que são marcas da luta contra tropas sírias de 1983. O Exército Sírio e seus representantes locais também são acusados de terem massacrado sunitas em Trípoli durante a guerra civil, um episódio sombrio que jamais será esquecido pelos libaneses.
O profundo ódio e desconfiança que recaem sobre a presença síria no Líbano são agravados pelas incursões quase diárias das forças sírias em território libanês. Com um exército fraco e forças armadas dominantes muito leais ao regime sírio, o Líbano ainda não conseguiu reagir de forma significativa.

CURDOS 
Os curdos são a maior minoria étnica da Síria, com uma população de cerca de 2 milhões de pessoas. Esse grupo sunita de maioria secular se concentra nas províncias do norte da Síria desde os tempos das cruzadas.
Depois de perderem seus passaportes nos anos 1960, nas últimas décadas os curdos têm lutado para sobreviver sem cidadania. A língua e a cultura curdas foram proibidas e milhares de ativistas desapareceram e foram torturados nas prisões de Assad. A contínua repressão levou a uma revolta em 1986, depois que centenas de curdos se reuniram em Damasco para celebrar o Newroz, uma de suas festas mais importantes.
Mais recentemente, os curdos tentaram colocar um freio em sua rivalidade sectária e começaram a se organizar contra o regime de Assad. Seu grande momento chegou em julho do ano passado, quando o governo retirou as tropas de áreas curdas para combater o Exército Livre da Síria (ELS) em Alepo e Damasco. Aproveitando a oportunidade, a milícia curda conhecida como YPG (Unidades de Proteção Popular) foi conquistando uma cidade curda atrás da outra, erguendo barricadas e detendo forças de segurança sírias em prisão domiciliar.
Os curdos ocupam uma terceira posição na guerra, opondo-se tanto a Assad quanto à oposição. Apesar de abominarem Assad, temem que o ELS estabeleça um estado islâmico. O fato de a Turquia estar acolhendo e fornecendo armas ao ELS deixa os curdos ainda mais desconfiados, porque a animosidade entre turcos e curdos já tem sangue suficiente para um guia à parte. No segundo semestre de 2011, o primeiro-ministro da Turquia deu um ultimato a Assad: se ele permitisse que o movimento pela independência curda ou células da guerrilha PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) operassem em seu país, a Turquia atacaria. Agora o movimento curdo se prepara para uma grande guerra com a Turquia, uma nova repressão vinda das forças de Assad e a infiltração de extremistas em seu território autônomo. Mais uma vez, os curdos estão cercados por todos os lados lutando pela sobrevivência e independência, e o futuro deles parece bem sombrio. 
JUDEUS
Em 2005, o Departamento de Estado dos EUA estimava que houvesse 80 judeus morando na Síria. Há pelo menos 2 mil anos, os judeus faziam do país o seu lar, mesmo estando sujeitos a imposições injustas, como por exemplo um imposto religioso especial que somente eles eram forçados a pagar. No fim do século 15, uma legião de judeus sefarditas fugiu da Inquisição Espanhola para a Síria, mas encontraram um país profundamente hostil.
Mesmo assim, a vida não se tornaria insuportável para os judeus sírios até a fundação de Israel em 1948. Depois que Israel deu uma surra na Síria na guerra árabe-israelense, um governo sírio amargurado implantou uma série de leis proibindo judeus de possuir propriedades, carteira de motorista e linha telefônica. Em 1967, depois da vitória de Israel na Guerra dos Seis Dias, 57 judeus foram supostamente assassinados durante um massacre na cidade de Qamishli.
Prevendo um êxodo, o governo sírio, paradoxalmente, tornou quase impossível a saída de judeus do país. Hafez passou a permitir a viagem de judeus somente mediante pagamento de uma fiança no valor de 300 a mil dólares, além de obrigar quem saía a deixar um membro da família como garantia de retorno. A partir de 1972, a militante dos direitos humanos Judy Feld Carr, conhecida apenas pelo misterioso codinome de “Sra. Judy”, tirou mais de 3 mil judeus do país secretamente através de rotas clandestinas. Aqueles que não conseguiam completar a travessia eram condenados por viajar sem autorização e muitas vezes sofriam torturas durante o período em que ficavam presos. Em 1977, pressionado por Jimmy Carter, Hafez finalmente permitiu que alguns judeus deixassem o país livremente.
Em 1994, o governo israelense admitiu ter conduzido uma operação secreta de dois anos que levou muitos judeus de Alepo para Israel. Muitos deles iam “visitar” a Cidade de Nova York — lar da maior população de judeus sírios do mundo (75 mil em 2007) — e, de lá, viajavam para Israel, para nunca mais voltar para casa. Israel ajudou um total de quase 4 mil judeus a fugirem da Síria e, ao fim da operação, apenas 300 ainda permaneciam no país, em grande parte porque estavam muito idosos para fugir. Hoje, muitos deles já estão mortos. A sinagoga Kniesset Ilfranj, em Damasco, é o último templo judaico do país. A Sra. Judy estima que atualmente restam apenas 16 judeus na Síria. 
JIHADISTAS 
Ninguém sabe ao certo a porcentagem de “jihadistas” e “soldados estrangeiros” na força rebelde síria. Embora seja verdade que jovens extremistas da Líbia e dos estados do Golfo Pérsico estejam entrando ilegalmente no país para lutar, seu número e influência exatos provavelmente estão sendo inflados pela imprensa ocidental e por adeptos de teorias da conspiração. Os jihadistas — mártires devotos de moral imaculada — ficaram conhecidos pela oposição por seu estilo de combate feroz e intransigente. É indiscutível que a oposição adotou um tom mais religioso nos últimos meses, mas isso tende a acontecer quando a classe média secular foge das cidades durante uma guerra em um país fortemente dividido e profundamente devoto. Praticamente só sobraram pessoas de baixíssima renda nessas áreas, e quando suas famílias são mortas e seus vilarejos destruídos, a única coisa que resta a eles é Alá.
Para entender melhor o dilema que a oposição enfrenta, imagine que uma guerra civil irrompa em qualquer país ocidental desenvolvido. Você está lutando ao lado dos jovens seculares de esquerda que não têm preparo nenhum para enfrentar um exército superbem preparado e, consequentemente, estão sendo massacrados. Alguns evangélicos e fazendeiros armados até os dentes se oferecem para ajudar. Você sabe que, se o seu lado ganhar, esses elementos intolerantes vão tentar tomar o poder, incorporar seu sistema de crenças no novo governo e proibir o aborto, mas na incerteza da guerra, é uma aliança que você não pode recusar.
O ocidente teme que os jihadistas que estão se apropriando da revolução síria tenham se tornado uma profecia autorrealizada. Nós recusamos o envio de armas para a oposição secular porque ficamos com medo de que elas caíssem nas mãos de extremistas, então a oposição secular foi forçada a recorrer à ajuda dos jihadistas. Os grupos salafistas recebem armas e dinheiro da Arábia Saudita e do Catar, e o envolvimento da al-Qaeda no conflito supostamente ficou mais concentrado desde meados de julho. Correspondentes da VICE na região observam um número consideravelmente pequeno de soldados estrangeiros — um líbio aqui e ali, mas nada perto do que alguns políticos estão querendo fazer parecer. A oposição secular está obviamente preocupada com a possibilidade de a revolução cair nas mãos de fanáticos religiosos. Mas, no momento, o ELS e seus aliados precisam desses barbudos que não têm medo de dormir nas linhas de frente e nem de morrer pela causa. 
 
MÍDIA
A lei síria limita a publicação na imprensa de informações que “provoquem agitação pública, perturbem relações internacionais, violem a dignidade do Estado ou da unidade nacional, afetem a moral das forças armadas ou prejudiquem a economia nacional e a segurança do sistema monetário”. A mídia é totalmente controlada pelo Estado desde os anos 1960. Em 2001, meios de comunicação privados receberam autorização para funcionar, mas o governo ainda tem o poder de censurar o que bem entender.
A internet é igualmente controlada. A maioria dos provedores é do governo, que não pensa duas vezes antes de bloquear todo e qualquer conteúdo que considere contrário ao regime. Redes sociais e sites de compartilhamento de vídeos eram proibidos indistintamente até fevereiro de 2011. Mas mesmo depois que o Facebook e o YouTube foram desbloqueados, observadores dos direitos humanos apontam que o regime continua censurando informações — tentou evitar, por exemplo, que imagens de manifestantes sendo espancados e baleados vazassem para fora do país. Aqueles que conseguem contornar os censores e publicam conteúdo contra o governo correm o risco de serem presos e torturados.
A televisão síria é uma porcaria, não importa quanto você zapeie. Quase todos os canais do país são transmitidos via satélite, com exceção de dois, e a maioria é controlada pela Televisão Árabe Síria e pela Comissão de Transmissão Radiofônica, apoiadas pelo estado. Os canais privados que operam no país vivem sob temor constante de irritar os fiscais do governo. Isso significa que quase todos os “jornalistas” sírios precisam agradar os homens de Assad para proteger suas carreiras (e, em alguns casos, sua própria pele).
Há alguns meses, a TV virou um negócio ainda mais arriscado. Em junho, o canal privado pró-Assad AlIkhbariya foi atacado por forças do ELS, o que resultou na morte de sete de seus funcionários. Três meses depois atiradores insurgentes mataram o correspondente iraniano Maya Nasser. A tendência é que esses ataques se tornem mais frequentes com a evolução do conflito.
Ministros estrangeiros da Liga Árabe pediram para os provedores de conteúdo de TV via satélite da região bloquearem as transmissões da Síria para limitar a influência do regime de Assad. Também pediram para canais de televisão sírios interromperem sua produção no começo da revolução, incluindo as filmagens de algumas das novelas mais populares do mundo árabe, além do séries proselitistas como Ash-Shatat (A Diáspora), baseada em grande parte em Os Protocolos dos Sábios de Sião — publicação fraudulenta antissemita que detalha tentativas de líderes judeus para dominar o mundo e foi difundida por Hitler antes da Segunda Guerra Mundial. A série inclui uma cena que sugere que, num dado momento da história, os judeus assassinavam crianças cristãs e usavam seu sangue como ingrediente para fazer o pão matzá.

Sociedade


JORNAIS CLANDESTINOS
Num cenário em que a imprensa é controlada pelo Estado, pode ser complicado encontrar informações que não tenham sido processadas pelo moedor de carne do Partido Baathista. O monopólio midiático do regime, no entanto, levou ao surgimento de uma variedade de jornais clandestinos antigovernistas impressos de forma caseira. Esses veículos oferecem um contraponto à desinformação e às distorções da grande mídia síria e dá voz à oposição.
Conversamos com Kareem Lailah, editor-chefe do Hurriyat, fundado em agosto passado. Kareem contou que o Hurriyat é distribuído por ativistas que deixam sua mensagem na soleira das casas de Damasco, Homs e Alepo, tocam a capainha e saem correndo feito loucos antes que alguém os veja. Apesar do sucesso da publicação, Kareem disse: “Dois de nossos jornalistas foram presos… Um ficou detido alguns dias e o outro, cerca de três meses”.
A maioria do conteúdo dessas publicações caseiras é dedicada a editoriais opinativos, mas também tem muitas charges políticas e matérias sobre a cultura local. Zeina Bali, jornalista síria que fez uma matéria sobre esses jornais para o Syria Today, contou que o jornal Surytina publica até resenhas de livros que relacionam suas narrativas aos desdobramentos da guerra civil.
Quando perguntamos à Zeina sua opinião sobre a aceitação desses veículos, ela deu uma resposta bem sucinta: “Na minha opinião, o fato de ainda estarem sendo impressos e distribuidos é muito positivo. Isso prova que existe um aspecto civil na insurreição. Acho que muitas pessoas simplesmente perderam a fé”. 
 
VIDA URBANA X VIDA RURAL
Como na maioria das revoltas que deram início à Primavera Árabe, a revolução da Síria ficou incubada nas áreas rurais e semirrurais depois dos protestos em Daraa. A miscelânea de soldados e ativistas do ELS rapidamente se tornou no país o equivalente ao movimento Occupy —  se o Occupy tivesse armas, lançadores de granadas e um objetivo claro. As pessoas estão irritadas e confusas e, como sempre, os ricos das áreas urbanas são considerados os culpados.
Aproximadamente 54% da população da Síria vive nas cidades, enquanto cerca de 44% de seus habitantes estão no campo, incluindo uma população beduína considerável que perambula pelo vasto deserto do país. Mas o conflito produziu um efeito inverso nos padrões de migração. Muitos sírios estão fugindo da violência de Damasco e Alepo e voltando para seus povoados ancestrais, enquanto os mais pobres das zonas rurais estão buscando refúgio nas favelas suburbanas já superpovoadas. O Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos indica que, durante o conflito, cerca de 1,5 milhão de pessoas se deslocaram. Segundo um relatório feito em conjunto pela ONU e pelo governo sírio, pelo menos três milhões de moradores vão precisar de auxílio para garantir uma colheita adequada e abastecimento para seus rebanhos neste ano. Metade dessas pessoas chegará perto da inanição nos próximos três meses.
Os últimos anos de seca foram intensificados pelo conflito, e o setor agrícola perdeu quase dois bilhões de dólares em 2011. Os economistas avaliam que a guerra pode contrair a economia nacional em 14% ou mais. Certamente os negócios do país estão sentindo a retração (isso se já não foram reduzidos a escombros). 
CIDADANIA
A carteira de identidade síria inclui o nome ancestral de seu portador e “local de origem”. Nos últimos dois anos, a identidade se tornou uma ferramenta poderosa para traçar o perfil e eliminar suspeitos de serem membros da oposição. Para a pessoa que é parada em um posto de inspeção, ser ou não de uma cidade ou bairro rebelde pode significar a diferença entre a vida e a morte. E apesar de a religião do indivíduo não constar no documento, a maioria dos oficiais consegue adivinhar com base nas informações apresentadas.
A Síria tem a tradição de usar restrições de cidadania para decidir quem fica dentro e fora do sistema. Em 1962, o estado arbitrariamente revogou a cidadania de 120 mil curdos. Esses indivíduos e seus descendentes eram considerados ajanib (sem estado) até maio de 2011. Os ajanib não podem casar, ter carros, alugar casas nem possuir uma identidade nacional. Abaixo dos ajanib estão os maktoumeen (ocultos) — aqueles que vivem em um limbo sem Estado, impossibilitados de deixar a Síria legalmente, mas também proibidos de ter empregos.
Depois de passar décadas oprimindo os separatistas curdos, três semanas depois da insurreição, Assad concedeu anistia e deu cidadania plena a eles. Essa atitude foi uma manobra política para evitar que os curdos armados se aliassem à oposição. Funcionou: os curdos adotaram uma terceira via, cultivando em silêncio as bases da sua própria revolução pela autonomia curda no norte do país, enquanto o ELS e o governo se massacravam mutuamente.
Mesmo se você não for contra o regime, sua identidade pode ser usada para puni-lo caso você não cuide muito bem dela. No meio de 2012, o governo soltou 267 pessoas que haviam sido presas por estarem com as carteiras de identidade quebradas. Há alguns meses, um xeque sírio agitador vem convocando os sírios a quebrarem suas identidades em protesto contra o regi- me. Uma alma infeliz contou à Agence France-Presse: “Eles me bateram e me obrigaram a confessar que estava seguindo as instruções do xeque, que eu nem sabia que existiam”. Quando esses sírios foram liberados, suas cabeças estavam raspadas e eles apresentavam sinais de tortura.
ARMAS QUÍMICAS
No fim de julho, o governo admitiu publicamente que a Síria possui armas químicas. Mas logo voltaram atrás nessa declaração. Na verdade, a Turquia e o ocidente já sabem sobre o estoque de armas químicas da Síria há décadas: Sarin, VX e até gás mostarda da época da Primeira Guerra Mundial. Os sírios possuem uma vasta coleção de munições hediondas que já foi denunciada muitas vezes pelo mundo civilizado.
A Síria importava os agentes químicos necessários para fazer seus gases nervosos, mas, nos anos 1970, desenvolveu uma indústria química de tamanho moderado e hoje fabrica seus próprios produtos. Ainda não está claro se a Síria possui armas biológicas — os processos utilizados para desenvolvê-las podem ser realizados sob pretexto de uma pesquisa para fins de defesa do país. Mas seja lá o que eles tenham pode ser lançado através de seus mísseis Scud russos, que chegam a atingir cerca de 480 km, colocando Jerusalém facilmente ao seu alcance.
Para a sorte do mundo, o desenvolvimento de armas de destruição em massa (ADM) pela Síria provavelmente azedaria a boa relação do regime com a Rússia e a China. De qualquer modo, uma das maiores preocupações da comunidade internacional é que, com a queda de Assad, a al-Qaeda e seus afiliados se apropriem das ADM e o conflito se torne ainda mais infernal. O que quer que aconteça, é quase certo que o próximo governo sírio use o arsenal químico do país como contrapeso às capacidades nucleares de Israel. 
DOMÍNIO AÉREO
A Força Aérea Síria é formada quase que exclusivamente por aeronaves russas, mas a maior parte de sua frota da época da Guerra Fria está obsoleta ou abandonada. Relatórios indicam que metade das aeronaves jamais poderão voltar a voar. Grande parte da frota é formada por MiGs, mas evidências em vídeo mostram que o regime também conta com aviões de treinamento tchecos para atacar fortalezas rebeldes — mais um sinal da deficiência da instituição.
Apesar de haver muitos vídeos na internet que mostrem os rebeldes derrubando helicópteros e jatos de Assad, o regime ainda detém a supremacia aérea e frequentemente realiza bombardeios em áreas rebeldes com explosivos e uso de helicópteros. No dia 9 de outubro aconteceu um ataque aéreo em Maarat al-Nu’man que, segundo informações, resultou na morte de pelo menos 40 civis.
Os rebeldes já solicitaram diversas vezes a imposição internacional de uma zona de exclusão aérea, como a que foi estabelecida na Líbia em 2011 e que sabotou significativamente as tentativas de Muammar Gaddafi de destruir a rebelião armada, levando, por fim, à sua queda. Até agora, os EUA e a OTAN recusaram esses pedidos. 
 
JOGATINA
O Corão deixa claro que jogos de azar são proibidos — isso é considerado um “grande pecado”, tão grave quanto ficar bêbado —, então não é normal que não haja cassinos em muitos países do Oriente Médio. Apesar de o regime de Assad ser laico, clérigos muçulmanos foram suficientemente influentes para que o governo proibisse oficialmente a jogatina no país e fechasse os cassinos existentes nos anos 1970.
No ano de 2010, a proibição dos jogos de azar foi desafiada abertamente pelo empresário sírio Khaled Hboubati, que abriu o cassino Ocean Club perto do aeroporto de Damasco. O Guardian citou uma fonte que disse que o governo deu ao cassino uma “permissão silenciosa” para que ele pudesse funcionar. Algumas pessoas entenderam essa tolerância como um sinal de que a Síria estava começando a se modernizar e ocidentalizar.
Mas, como a maioria dos indicadores de abertura na Síria, o Ocean Club não durou muito tempo. Menos de dois meses depois de sua inauguração, o Ministério de Administração Local fechou o estabelecimento. Membros muçulmanos linha-dura do parlamento não permitiram essa blasfêmia.
É difícil prever se outros empresários tentarão abrir cassinos depois que a guerra terminar e um novo governo surgir, mas você pode apostar todas suas fichas que se os extremistas tomarem o poder eles não deixarão isso acontecer.

MULHERES
Para muitas jovens sírias, a galinha é mais gorda no Líbano. Beirute é vista como um bastião cintilante de liberalismo e liberdade de expressão, um lugar onde pressões familiares caíram em desuso e as baladas fervem noite adentro. Para outras, o Líbano serve como uma fuga necessária para encontros românticos.
A constituição da Síria garante liberdade religiosa para todos. As mulheres são livres para usar o que quiserem. A escolha de cobrir ou não cobrir — e quanto vai ficar exposto — é pessoal e geralmente baseada em tradições familiares. Cristãs e muçulmanas, vestidas de várias formas diferentes, andam juntas. O hijab fica normalmente reservado para ocasiões formais, onde é usado mais por questões culturais do que religiosas. Em todo o país, mães usando niqab (um véu de rosto usado em conjunto com o hijab) podem ser vistas andando ao lado de suas filhas sem véu. Mulheres moderadamente cobertas fazem compras nos mercados locais com amigas descobertas. É tudo bem casual.
As mulheres cristãs sírias, justa ou injustamente, têm fama de exibir as bênçãos divinas. Calças justas e blusas reveladoras levam homens de todas as fés à loucura. Na Síria, tanto homens cristãos quanto muçulmanos agradecem a Jesus Cristo pela invenção da calça skinny. Alguns muçulmanos conservadores acham ofensivo as mulheres cristãs usarem esse tipo de calça por acharem que isso pode levar a pensamentos impuros e libidinosos, mas a maioria agradece silenciosamente. 
LINGERIE
A Síria é considerada um dos países mais fashion do Oriente Médio. Os homens gostam de ternos estilosos, camisetas à la Ed Hardy e edições limitadas de tênis da Nike. Mas a maioria das roupas fabricadas no país é para mulheres: lenços coloridos, abayas (túnicas longas) brilhantes e uma infinidade de roupa íntima ordinária supertecnológica. As sírias adoram lingerie pelos mesmos motivos pelos quais as mulheres amam lingerie desde sempre — para se sentirem bem consigo mesmas e para evitar que seus homens pulem a cerca. A maioria das mulheres no ocidente acharia muito estranho ganhar de presente da futura sogra um fio dental felpudo com luzes de LED cuja parte da frente se abre magicamente quando você bate palmas e grita “Abre-te, sésamo!”, mas esse comportamento é perfeitamente aceitável na Síria. Presentes de despedida de solteira podem incluir calcinhas com penduricalhos, sutiãs com estampa de pele de píton ou um celular vibratório que cobre suas partes íntimas — não existe tabu em torno dessas lingeries, já que elas são feitas para serem vistas somente pelos maridos. 
MAUSOLÉU DE SAYYIDA RUQAYYA
No ano 632, a morte do Profeta Maomé dividiu seus seguidores e deu início à divergência sectária entre sunitas e xiitas. Os xiitas acreditavam que o primo de Maomé, Ali, deveria assumir o comando, enquanto os sunitas achavam que tinha que ser Abu Bakr, sogro e grande companheiro de Maomé. Abu Bakr ganhou a disputa política e ascendeu ao califado — o circo estava se armando para 1.500 anos de dominação sunita e ressentimento xiita. Para piorar a situação, o filho de Ali, Husain, foi assassinado e decapitado, e a neta de Maomé, Sayyida Ruqayya foi presa e assassinada na tenra idade de quatro anos.
Hoje, xiitas praticantes viajam de toda parte (principalmente do Irã) até Damasco para prestar reverências em uma opulenta mesquita erguida no local onde o corpo infantil milenar de Sayyida Ruqayya está enterrado. Peregrinos vestidos de preto compram brinquedos para deixar em cima da sepultura de Sayyida Ruqayya, em memória da grave injustiça de seu assassinato. Depois desses atos de piedade religiosa, os peregrinos fazem uma parada no Mausoléu de Sayyida Zaynab (em homenagem à irmã de Husain) antes da longa viagem de volta para o Irã. 
RAMI MAKHLOUF
Rami Makhlouf é visto como símbolo da corrupção e do nepotismo no país. Por acaso, ele também é primo por parte de mãe de Bashar al-Assad. Favorecidos pelo sistema clientelista do governo, os negócios de Rami — que incluem petróleo e gás, telecomunicações, construção, bancos e companhias aéreas — controlam até 60% da economia da Síria. Seu patrimônio líquido gira em torno de 6 bilhões de dólares. Muitos o consideram um ladrão e representante dos problemas que concentraram a riqueza do país nas mãos de poucos escolhidos.
Em uma entrevista dada à Reuters em junho de 2011, Rami declarou que iria se retirar dos negócios da Síria e doar grande parte de sua riqueza para caridade. Parte central dessa promessa foi vender 40% de suas ações na Syriatel (uma das duas empresas de telecomunicações do país). Oposicionistas questionam seu comprometimento com a filantropia, talvez com razão — reportagens do Al-Akhbar sugerem que ele tenha comprado grandes quantidades de ações de diversos bancos durante o ano de 2012. 
CIRURGIA PLÁSTICA
O Ministério da Saúde regula os preços das cirurgias plásticas no país. Uma operação no nariz na Síria custa entre 700 e 800 dólares, um terço do valor que se pagaria na Europa. Por uma quantia um pouco maior, você consegue peitos de silicone enormes. Acontece que o barato sai caro: a cirurgia plástica na Síria é notória pela má qualidade. Em Beirute, se o nariz de uma mulher parece ter ficado preso em um moedor de carne, as pessoas dizem: “Ela deve ter feito plástica na Síria”. Muitos cirurgiões plásticos atuam sem licença em clínicas sem higiene.
Outro tipo de cirurgia estética também está disponível na Síria: por 17 mil dólares, as mulheres do Oriente Médio podem trocar seus olhos castanhos por verdes ou azuis. Os médicos cortam o olho, removem a íris e substituem por uma prótese. Se a cirurgia der errado, a paciente fica cega. O Ministério da Saúde está tentando controlar o mercado de cirurgias plásticas do país, mas como a Síria vive num estado perpétuo de guerra, a demanda por operações baratas está, compreensivelmente, diminuindo. 
GASTRONOMIA E ALIMENTAÇÃO
O título de potência gastronômica da cidade antiga de Alepo pode ser atribuído à sua ótima localização, próxima à Rota da Seda. Por séculos, os chefes da região tiveram acesso à imensa variedade de temperos, grãos, frutas e hortaliças que o mundo otomano tinha a oferecer.
Antes de a guerra civil dizimar grandes áreas de Alepo, não havia lugar melhor para experimentar a reverenciada gastronomia da cidade do que o bairro armênio de Jdeideh. Beit as-Sissi, ou a casa de Sissi, era considerado por muitos um dos melhores restaurantes do país e servia um dos melhores kebab karaz do planeta até ser destruído por um incêndio, no começo de outubro.
O principal historiador de Alepo, Abraham Marcus, nos disse recentemente: “A casa de Sissi oferecia um ambiente perfeito, representava o melhor da arquitetura tradicional da cidade. Muito dinheiro e cuidado foram dispensados nos últimos anos para restaurar essa e outras construções históricas de Alepo. A cidade que era considerada um modelo de preservação se tornou cenário de uma destruição escandalosa”. 
VIDA GAY
Para uma ferveção homossexual na Síria basta ir a um hammam gay (casa de banho). Assim como qualquer spa, os hammams têm salas privativas, e são uma alternativa mais barata e discreta que um hotel. No entanto, desde 2010, os proprietários dos hammams estão mais desconfiados de recém-chegados por causa das frequentes batidas policiais. Muitos gays voltaram a frequentar os parques de Damasco.
Os gays costumavam se reunir e socializar livremente, apesar de haver uma lei síria que tecnicamente proíbe a homossexualidade. A polícia passou a dar demonstrações de força homofóbica nos hammams — um alvo fácil, já que ser gay é considerado desprezível no Oriente Médio. Em abril de 2010, 25 homossexuais foram presos, estuprados e torturados por três meses, segundo Mahmoud Hassino, que publica a revista gay Malaweh. 
 
ANTIGUIDADES 
A Síria está cheia de vestígios de povos antigos. Reinos foram construídos em cima de reinos desde os tempos mais remotos da antiguidade. Hititas, gregos, romanos, persas, bizantinos, árabes, cruzados, otomanos e franceses, todos, em diferentes momentos da história, ergueram fortalezas na região e deixaram para trás monumentos de seus respectivos legados.
O exemplo perfeito é a célebre Mesquita dos Omíadas, em Damasco. Ela foi erguida como templo arameu cerca de três mil anos atrás. Quando Roma conquistou Damasco em 64 d.C., o local foi transformado em santuário para Júpiter. O templo foi convertido em igreja no fim do século 4 e em mesquita em 706.
Descobertas arqueológicas monumentais são comuns na estepe síria. Nos anos 1970, perto da fronteira com a Turquia, foi descoberto o povoado de Tell Qaramel, de 12 mil anos. Os arqueólogos encontraram cinco imensas torres redondas de pedra construídas dois mil anos antes da torre de Jericó, que era considerada até então a mais antiga do planeta.
A lista de Patrimônios Mundiais da Humanidade da UNESCO protege seis monumentos históricos da Síria: as cidades antigas de Alepo, Bosra e Damasco, regiões do norte da Síria, o castelo Krak dos Cavaleiros, da época das cruzados, com sua Cidadela de Saladino, e a antiga cidade desértica de Palmyra.
Cinco desses locais protegidos pela UNESCO foram seriamente danificados por causa do conflito. Há pouco tempo, a diretora geral da UNESCO, Irina Bokova, declarou: “A Mesquita dos Omíadas, coração da vida religiosa da cidade, uma das mais lindas mesquitas do mundo muçulmano, está seriamente ameaçada, mas ainda não sabemos a dimensão do problema. No norte da Síria, a região dos Povoados Antigos incluídos na Lista de Patrimônios Mundiais da Humanidade em 2011 sofreu fortes ataques e parece que o inestimável complexo bizantino de São Simão pode ter sido atingido”.


Fonte: Revista Eletrônica Vice; ONU-BR

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